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Um Olhar Novato

Ingressei no nosso “Espiritualismo de Terreiro” pela dor. Como um bom iniciante, ainda na assistência, olhava completamente deslumbrado o “espetáculo” que se descortinava diante de seus olhos. Era um misto de encantamento e espanto, já que, em minha caminhada de estudo religioso, fui incutido a aceitar a Umbanda como uma coisa profana, uma seita constituída de Espíritos ignorantes, sem a necessária preparação, caminhando juntos para o abismo, ou seja, como se diz do coloquial: “Cego guiando cego”.

Tudo era muito novo, insólito. Os esgares, os arquétipos, as frases mal resolvidas de difícil interpretação, a roupa branca. Tudo representando a simplicidade e, a Paz. Fascinava-me. Envolvendo-me nesse turbilhão de novidades, minhas dores foram se aliviando e uma relativa tranquilidade tomou conta de minha vida.

As filas de fiéis trajando o alvo, para mim, representa a pureza Divina, chegando aos meus olhos leigos, como que, soldados fardados e, adornados com belíssimos cordões, lenços ou chapéus, aguardando o chamado espiritual. Trabalhando incansavelmente em nome de Aruanda e suas Leis, as Leis de Olorum.

Como qualquer novato ansiava por vestir esse branco, não para subir ao palco e representar um papel, e sem nenhum escrúpulo conduzir-me a um abismo de sofrimentos, por pura insensatez, ou falta de humildade. Sem saber que a farda muitas vezes torna-se um fardo, pois, não basta vesti-la, encher a boca dizendo-se trabalhador: médium ou cambono e, desrespeitá-la quando na intimidade de pensamentos ou atos. Essa roupa deve ser considerada uma segunda pele, vestindo um Espírito que acima de tudo é um filho de DEUS em busca da perfeição. Portanto devemos honrá-la como fazemos com nossa conduta em sociedade. É claro que isso não é tarefa fácil, a imperfeição pulsa em nosso íntimo, mas devemos, mesmo a passos lentos, buscar a evolução, deixar velhas roupagens que nos conduzem ao sofrimento, tentando, ao menos, tornar-nos dignos de carregar o título, ou estigma, de operários do PAI. Em resumo, vestir branco é uma grande responsabilidade, temos a obrigação de nos manter dignos, ilibados, cristalinos, já que, somos o espelho onde a imagem dessa imensurável obra se refletirá e, ao primeiro deslize, os velhacos da fé sem raciocínio rapidamente dirão: “são umbandistas, é assim que se portam”.

Meus olhos de novato, ainda na assistência, marejavam a cada passo. A forma que entidades, pelo processo de incorporação mediúnica, conduziam graciosamente os corpos de seus “aparelhos” ao ritmo dos atabaques, lembrava-me um garboso balé renascentista, transmitindo as necessárias vibrações mascaradas pela pulquérrima visão. Aquilo que os mais fanáticos, com suas mentes embotadas julgam saído do submundo astral, nada mais é, do que a caridade cristã transmitida de outra forma, ou seja, é DEUS mais uma vez, extraindo do “imundo” aos olhos ignorantes, a Luz que vivifica, constrói e ampara, amando incondicionalmente.

Era comum na assistência ouvir os visitantes falarem dos cambonos com uma pontinha de inveja, já que, esses trabalhadores têm uma aproximação muito grande das entidades. Esse contato direto com as entidades e seus ensinamentos, para muitos, é um grande privilégio, mas o que eles não sabem, é que o cambono desempenha a tarefa que além de essencial é, de extrema responsabilidade. Ainda, é claro, requer muita disposição e abnegação para correr de um canto a outro do terreiro a fim de atender às necessidades dos guias e, embora não pareça por diversas vezes a gira chega ao seu final sem que eles consigam tempo sequer para tomar um passe. Nem tudo é como parece.

Na assistência olhava aqueles médiuns como uma espécie de feiticeiros, com algum tipo de poder, que mesmo tendo estudado muito o assunto, fugia minha compreensão. Era como se eles possuíssem o poder Divino de solucionar todos os problemas, ledo engano. A mediunidade não existe para solucionar problemas, mas sim, para apontar o caminho correto a ser seguido. Nós criamos nossos problemas, nós temos que solucioná-los. No entanto, assessorados por aqueles (os guias), que possuem um campo de visão muito mais amplo, comparado com o nosso.

Muitos acreditam que os médiuns não possuem problemas, são seres privilegiados, mais um engano. Algumas vezes eles vão ao trabalho no terreiro, cumprir suas missões, com sorriso nos lábios e, lágrimas no coração. O médium possui os mesmos anseios, sonhos e limitações que qualquer outra pessoa, e ainda empresta o seu corpo para o trabalho daqueles que auxiliam os sofredores que os procuram. E na grande maioria dos casos não sobra tempo para a solução de seus próprios problemas.

Ser médium não é tão simples como parece. Aqueles que acham que podem esconder seus atos pelas máscaras dos Espíritos são completos ingênuos, momento ou outro, serão responsabilizados e, terão que responder pelos seus atos aos tribunais da consciência, sofrendo é claro, as penas justas impostas pela implacável vida. Tal qual a Lei... O apóstolo Paulo, possui uma belíssima citação em I Coríntios 6 12, que diz: “Tudo posso, mas nem tudo me convém”, o que vem de encontro diretamente ao que colocamos acima. A mediunidade nos remete a uma vida regrada, sem extravagâncias, com apelos espirituais, respeito, indulgência e principalmente pautada na caridade. Sem esses atributos é melhor nem começar, pois você estará fadado ao fracasso.

Portanto, se deseja ser um umbandista de sucesso não basta ir a gira uma vez na semana, ou a cada quinze dias; ele, o sucesso, exige dedicação, renuncia e amor. É grande a responsabilidade que assumimos ao pisar o solo sagrado do terreiro, por isso não devemos fazê-lo por impulso, ou por achar bonito. Pondere, já que, essa decisão mudará completamente sua vida, suas rotinas, seus dias.

Em fim, pelo olhar do novato, vi ricos e pobres sentados lado-a-lado aguardando atendimento, sem privilégios; assisti evangélicos, católicos, espíritas, se curvarem diante daqueles que outrora rejeitaram; vi caboclos, baianos, pretos-velhos, crianças, exus e bombo-giras, trabalharem em nome do Celestial Amor de DEUS, salvando almas das drogas, do suicídio, da violência, da separação total de suas famílias; assisti ainda, espíritos perdidos serem resgatados das lamas do sofrimento, e aos gritos suplicarem ajuda, exaustas pela dor.

Por assim dizer, o olhar novato, é substituído pelo do humilde operário, que foi salvo sim quando ainda era novato, mas que continua sendo salvo a cada gira e, pela imensurável misericórdia do PAI tem permissão de ter uma vida próximo desses Iluminados seres de Sua criação. É assim que, o agora operário novato, ao final de uma cansativa gira, pode retornar ao seu lar e após seu banho, deitar-se. Mas antes de adormecer, fechar seus olhos físicos e, em gratidão a DEUS afirmar que tudo valeu a pena. E Ainda, parafrasear Amélia Rodrigues em profunda oração dizer ao nosso Pai Oxalá: “Obrigado Senhor porque nasci; obrigado porque creio em Ti, por me socorrer com amor, pela Umbanda que me livrou da dor. Hoje e sempre, obrigado Senhor”.


Um Operário.

Comentários

  1. Amei o texto, parabéns. Eu como trabalhador novato me identifiquei muito e agradeço muito por ter essa oportunidade de ouro. Muita Paz e muita Luz.

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  2. Olá Eitor, é muito bom tê-lo conosco. Busque sempre aperfeiçoar seus conhecimentos, tendo como base a codificação espírita. Lembre-se o trabalho que você escolheu mudará sua vida, e construirá um novo ser, mas agora nas linhas e caminhos traçados pelo Mestre de Nazaré.
    Portanto, meu irmão, observe, questione, busque, nunca aceite uma explicação sem fundamentação, entenda que com isso alguns podem até te criticar, mas você sem dúvida alguma se tornará ferramenta útil nas abençoadas mãos do PAI.
    Paz e Luz.

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